terça-feira, 26 de abril de 2011

Onde a confusão se espalha...

O Rio de Janeiro também possui uma rica história marginal da Capoeira e uma rica influência das maltas de capoeiras ligadas à criminalidade e à política, que formavam quase um exército paralelo. Mais tarde, porém, houve o enfraquecimento da Capoeira carioca e uma “invenção da tradição” (*21) da Capoeira baiana. Mestre Bimba leva seus alunos para São Paulo em 1949 para competir em luta livre: das cinco lutas, ganham três por nocaute. Mestre Bimba também viaja apresentando a Regional: em 1955, em Fortaleza-CE (Teatro José de Alencar); em 1956, no Rio de Janeiro (Maracanãzinho) e, em São Paulo (inauguração da TV Record); e, em 1968, em Teófilo Otoni-MG. Mestre Pastinha e o CECA viajam fazendo demonstrações em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Recife.

Apesar da existência de capoeiristas tradicionais no Rio, em 1964 começa um fenômeno novo. Alunos com pouca experiência na Angola e na Regional se juntam e formam o grupo carioca que viria a se chamar Senzala e a influenciar muito a Capoeira no sul/sudeste do país, tanto pela descaracterização (afastamento de rituais tradicionais), como pela incorporação de novas técnicas de ensino.

Em São Paulo, através de pioneiros como Mestre Zé de Freitas (discípulo do maior cantador de Capoeira Angola de todos os tempos, Mestre Waldemar da Paixão – BA) e Mestre Valdemar Angoleiro, abriu-se espaço para a vinda, na década de 60, de capoeiras que migram da Bahia buscando melhores condições de vida. Vieram mestres angoleiros e regionaleiros. Devido à falta de tradição da Capoeira na capital paulista, para melhor sobrevivência econômica desses mestres, há a necessidade de apoio mútuo. Mestre Suassuna, por exemplo, ajudou muitos capoeiristas a se estruturarem. Este processo de adaptação e sobrevivência é melhor exemplificado com a fundação, em 1967, da Academia Cordão de Ouro, formada pelos mestres Brasília e Suassuna, o primeiro da linhagem Angola de Mestre Canjiquinha e o segundo da linhagem Regional de Mestre Bimba. O que era impossível para Mestre Pastinha e Mestre Bimba acontece: a fusão de estilos se torna uma realidade.

Na década de 50, a Capoeira chega a Belo Horizonte. Em 1963, Mestre Pastinha se apresenta na Universidade Católica, mas somente na década de 70 é que crescem as academias e a Capoeira se fortalece nas praças, sendo criada uma roda na Praça Liberdade, onde o público se reunia para ver a ‘vadiagem’. Por causa desta roda, surgiu a famosa Feira Hippie, que se desenvolveu e virou um marco na cidade (hoje está na Av. Afonso Pena), no entanto poucos falam dessa origem ligada à Capoeira.

Em Curitiba, em 1973, a Capoeira se implanta através de Mestre Sergipe, depois que Mestre Eurípedes passou por lá no início da década de 70. Mestre Sergipe foi contra-mestre do angoleiro Mestre Caiçara, mas, como Mestre Brasília, também mudou de estilo. Em 1975, com a chegada de Mestre Burguês, a Capoeira se espalha na cidade.

Ainda seguindo a história do poder cooptando a Capoeira, em 1968 e 1969 (segunda ditadura militar do século passado), a Comissão de Desportos da Aeronáutica patrocina dois simpósios nacionais sobre Capoeira com o intuito principal de estabelecer uma única nomenclatura para os golpes e defesas. Entre os vários mestres participantes estava Mestre Bimba, que se retira antes do término do segundo simpósio por não aceitar que a Capoeira Regional se fundisse com outras regras e ‘modismos’ (no primeiro simpósio ele enviou Mestre Decânio para representá-lo).

Interessante também que foram vários os capoeiristas que desejaram ter o mérito de Mestre Bimba, criando estilos com nomes e características próprias como a Capoeira Estilizada, a Muzenza, a Saramango, a Primitiva, a Barravento, etc. Mas nada disso vingou além de seus grupos e descendências. A não ser a criação coletiva da Capoeira 'Angola-e-Regional', que a meu ver, repito, não é nem Angola nem Regional.

A década de 70 é fundamental no encolhimento da Angola tradicional, resgatada por Mestre Pastinha. Em 1971, ele é enganado e perde sua academia no Largo do Pelourinho nº 19 e, em 1979, sofre derrame cerebral. Em 1981, morre cego, na miséria e quase esquecido. Com a morte de Mestre Bimba em 1974, também esquecido, enganado e na miséria, em Goiânia-GO, a Regional também perde sua força e o seu mentor.

Em 1º de Abril de 1966, Mestre Pastinha se apresentou junto com outros mestres e alunos na África, no I Festival Internacional de Arte Negra em Dakar, Senegal. Na década de 70 ocorre a expansão da Capoeira para a Europa e E.U.A., mas só em 1989 o angoleiro Contramestre Rosalvo migra para a Europa, fundando em 1997 a primeira academia européia de Capoeira Angola em Berlim, Alemanha.

Em 1972, a Capoeira é homologada pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) como esporte e, em 1974, nasce a Federação Paulista de Capoeira. Em 1992, forma-se a Confederação Brasileira de Capoeira e, finalmente, em 1993, a Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA). Assim, após milênios de ancestralidade lúdica e poucos séculos de agressividade para a luta, a Capoeira, que desenvolveu variações nas décadas de 20 a 50, com o nascimento da Regional e a sobrevivência da Angola, finalmente se descriminaliza. Consequentemente, se elitiza. Nas décadas de 60 a 90, a fusão e a mutação das capoeiras fazem surgir a 'Contemporânea', e, após breve enfraquecimento, renascem a Angola e a Regional. Entramos no século XXI com um lado da Capoeira ligado à marginalidade cultural e econômica, sendo a Roda de Capoeira um aprendizado de desobediência civil para a vida (detalhes no livro). Por outro lado, num outro estilo, está cooptada, servindo ao sistema estático da estrutura sócio-econômica que mantém as classes, as explorações e a escravidão (que chamamos hoje de globalização ou neo-liberalismo), divertindo ou competindo nas lutas de vale-tudo, ou ainda nas universidades e espaços militares, servindo ao hierarquismo e ao comodismo. Lembro aqui as palavras de Mestre Lua ‘Rasta’ da Bahia, “... o capoeirista precisa se respeitar...os mais jovens procurarem se interar do que é capoeira, do que é liberdade, do que é militarismo; e a capoeira é anti-militar, a capoeira não tem nada a ver com militarismo...” (*22).

fonte net.

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